Surpresas do casarão que parou no tempo

24-out-2010

Estúdio Sarasá – Por causa de sua complexidade, a obra de restauro no interior do casarão ainda deve demorar mais dois anos
(Eduardo Nicolau/AE)

A história se desnuda a cada pincelada, a cada martelada, a cada raspagem. Pelos corredores do casarão no número 758 da Avenida Higienópolis, na região central de São Paulo, a memória da cidade ainda com feições do século passado está sendo revelada diariamente por operários, pintores e restauradores.

Há sempre uma surpresa a ser encontrada, um detalhe, um vitral, uma pintura escondida, um cofre disfarçado, uma passagem secreta. Ali, durante os trabalhos de reforma do antigo palacete do barão do café Carlos Leôncio de Magalhães, percebe-se também que a preservação do patrimônio histórico da capital está intimamente ligada à manutenção da identidade paulistana. Um testamento de que progresso e desenvolvimento não significam apenas demolições.

O casarão de cinco pavimentos, 2.463 metros quadrados e pé-direito nas alturas está sendo restaurado pelo grupo que administra o Shopping Pátio Higienópolis, que comprou o imóvel em um leilão do governo estadual. A intenção é transformar o local em um centro cultural, possivelmente com café e uma pequena livraria – o trabalho dos restauradores, no entanto, ainda vai longe, com pelo menos mais dois anos de pinceladas, marteladas e raspagens. “Não dá para precisar quanto tempo ainda vai levar, e para falar a verdade não preciso correr. Vir aqui trabalhar é um imenso prazer, todo dia tem uma surpresa”, diz o conservador e restaurador Toninho Sarasá, responsável pela reforma do casarão.

Curiosidades. Parece até que o tempo parou ali no endereço – passear por aqueles corredores e cômodos, mais do que uma simples visita a uma obra, é quase como entrar em uma fotografia antiga. O imóvel foi erguido de 1930 a 1937 pela empresa Siciliano & Silva, com o estilo eclético que fazia sucesso na Europa. O nível de detalhes é impressionante – o palacete ostenta piso de marchetaria, lustres de ferro fundido, lambris de jacarandá entalhados pelo artista italiano Dinucci, vitrais belgas, mosaicos com vidro Murano e teto em madeira de lei ornamentado em gesso pintado em dourado.

Surpresas e curiosidades realmente não faltam. Cada quarto tem uma pintura totalmente diferente, sempre imitando tecido, com padronagens típicas de castelos franceses. No primeiro andar há uma pequena capela inspirada no Mosteiro dos Jerônimos, de Lisboa, e os entalhamentos na madeira da escada principal exibem inúmeros símbolos religiosos. No subsolo, há um anfiteatro com capacidade para quase 50 pessoas sentadas; já na sala, um balcão todo em jacarandá mostra o apreço que os donos tinham por saraus e apresentações musicais.

A história conta que Leôncio de Magalhães, no entanto, não conseguiu desfrutar da mansão. Morreu um ano antes da conclusão. A mulher, Ernestina, e os cinco filhos, solteiros, mudaram-se para a nova casa, onde moraram por 11 anos. A partir de 1974, o local virou sede da Secretaria da Segurança e da Delegacia Anti-Sequestro. “Tudo foi muito bem preservado, pouca coisa foi modificada”, diz Toninho Sarasá. “Já restauramos a fachada, e agora precisamos trabalhar no interior. Acho importante mostrar que demolir não é a única resposta, a cidade vai sentir falta de seu patrimônio lá na frente. Por meio dessas casas antigas, o paulistano pode conhecer sua história.”

Fonte: Estadão / São Paulo
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