Restos mortais da família real são exumados e levados do Museu Ipiranga ao HC

09-fev-2013

O desafio de levar os restos mortais de Dom Pedro I, Dona Leopoldina e Dona Amélia do Monumento à Independência, no Ipiranga, zona sul, ao Hospital das Clínicas

O desafio de levar os restos mortais de Dom Pedro I, Dona Leopoldina e Dona Amélia do Monumento à Independência, no Ipiranga, zona sul, ao Hospital das Clínicas

Quando surgiu o desafio de levar os restos mortais de Dom Pedro I, Dona Leopoldina e Dona Amélia do Monumento à Independência, no Ipiranga, zona sul, ao Hospital das Clínicas, em Pinheiros, zona oeste, especialistas envolvidos no projeto se viram diante de um problema: quem faria o transporte com a segurança necessária?

“Começamos a ligar para empresas especializadas em transporte de obras de arte”, lembra o médico Paulo Hilário Saldiva, chefe do Departamento de Patologia da Faculdade de Medicina da USP. “Mas, quando perguntávamos sobre transporte de caixão, desligavam, pensando que era trote. Nem dava tempo de falar que era o caixão de Dom Pedro. Se bem que aí é que pensariam que só podia ser trote…”

Muitos telefonemas na cara depois, uma empresa topou o serviço, por R$ 5,6 mil pelo transporte de cada um dos três membros da família imperial – na nota fiscal, guardada pela Faculdade de Medicina, consta a discriminação de serviços: “embalagem e traslado da urna de Dom Pedro”.

A preocupação com os restos mortais era grande. “Foi criada uma embalagem com espuma autoexpansiva, que se moldava aos caixões”, explica o restaurador Antonio Sarasá, cuja empresa auxiliou a pesquisa. “Planejamos o itinerário para que houvesse o mínimo possível de trepidações, subidas e descidas.” Em cima do caixão, um nível a laser monitorava as oscilações.

Nas três madrugadas – de 20 de março, 20 de abril e 10 de agosto -, o transporte começou por volta das 21h. O retorno à cripta, após todos os exames, acontecia entre 4h30 e 5h. O trajeto levava 1h15. “Demorou mais porque o medo era do tamanho do mundo”, conta a historiadora e arqueóloga Valdirene do Carmo Ambiel, coordenadora da pesquisa. O furgão – dentro do qual a pesquisadora ia sentada na frente, ao lado do motorista – nunca ultrapassava os 40 km/h.

Uma empresa de segurança privada fez a escolta. “Não queríamos chamar a atenção. Por isso, não pedimos acompanhamento da Polícia Militar”, afirma Valdirene. “Mesmo assim, a PM foi informada e monitorou o trajeto nessas noites.”

Pacientes imperiais. Os mais velhos pacientes da história do Hospital das Clínicas de São Paulo foram levados à instituição por ordem de idade. Primeiro, Leopoldina, uma distinta senhora então com 215 anos. Em seguida, Pedro, um cavalheiro um ano mais novo. Por último, Amélia, de 200 anos.

Como qualquer um dos 2 milhões de pacientes que passam por ano no HC, os três representantes da família imperial brasileira foram fichados. “Imagina o susto do médico residente ao escrever o nome completo do imperador”, brinca Saldiva, um dos membros da equipe que atendeu os ilustres pacientes. “Tem médico que se gaba por ter atendido o Lula… O imperador é meu paciente.” Depois do atendimento, para manter a confidencialidade do estudo, as três fichas médicas foram criptografadas e o imperador e as duas imperatrizes foram transformados em pacientes anônimos.

Doze cientistas, de diversas especialidades, participaram da realização dos exames nas três noites em que Leopoldina, Pedro e Amélia realizaram os check-ups. Havia radiologistas, patologistas, médicos de várias áreas. Eles realizaram diagnósticos de ponta, utilizando equipamentos de última geração. “Sabe aquela história que hospital tem duas portas, a do SUS e a do particular? Então, demos um tratamento particular para eles, um tratamento imperial”, compara Saldiva – que calcula que tais exames, se custeados por um paciente particular, custariam cerca de R$ 150 mil.

No máximo. Os restos mortais dos três nobres foram submetidos a uma tomografia computadorizada com dupla energia e com a melhor resolução possível. “O equipamento foi regulado para obter uma imagem com 10 vezes mais resolução do que em um paciente normal”, compara Saldiva. Isso por dois motivos: porque no caso de mortos não há problema com radiação acumulada e porque, como dificilmente os corpos serão exumados de novo, é preciso garantir um banco de dados o mais preciso possível para estudos futuros.

“O equipamento atravessa a pessoa com um feixe de raios X. Em geral, essa varrição é feita com cortes de 1 mm. Nesse caso, ajustamos para cortes de 0,6 mm”, explica o médico radiologista Edson Amaro Júnior, coordenador de neuroimagem funcional da Faculdade de Medicina da USP. As imagens então foram processadas ao longo de um mês.

O estudo pode servir de “piloto” para projeto de “autópsias virtuais” da Faculdade de Medicina. “A ideia é tornar constantes esses tipos de exame”, afirma o médico Carlos Augusto Pasqualucci, diretor do Serviço de Verificação de Óbitos da capital e professor da Faculdade de Medicina da USP. / EDISON VEIGA e VITOR HUGO BRANDALISE

Fonte: Estadão

  • Voltar
  • Compartilhar
  • Topo