Pequeno grande homem – Gigante de 1,54 metro de altura, Cândido Portinari ensinou o que era o Brasil aos brasileiros

02-set-2007

Capela

Capela – Brodowsky

Antes de tudo, Brodowski não é Brodósqui. Desde pequenas, as crianças brodowskianas aprendem que o nome da cidade, na zona de influência de Ribeirão Preto, da qual dista 30 quilômetros, homenageia o engenheiro polonês Aleksander Brodowski, que certamente não gostaria de ser chamado de senhor Brodósqui. Depois, Brodowski não é a cidade onde viveu, mas onde vive Cândido Portinari, sua maior referência e um fator de identidade para o pequeno – 17 mil habitantes – município paulista. A obra de Portinari só pode ser entendida em sua real dimensão a partir de uma visita à casa em que passou a infância e à qual sempre voltou, desde 1970 transformada no Museu Casa de Portinari, a maior atração local – o museu, um dos mais freqüentados do Estado, já chegou a receber 1.000 visitantes num só dia. Foi lá, naquele povoado que surgiu de uma simples parada para carregar café, que Portinari, como nenhum outro artista brasileiro, sentiu as dores do mundo – as suas e as dos outros.

O menino Candinho ficava impressionado ao ver os funerais de migrantes nordestinos, que fugiam da seca e procuravam trabalho nas fazendas, envoltos num simples lençol. Se aquela gente não chorava lágrimas de pedra, como mais tarde mostraria nas telas, mesmo que passivamente, clamava por justiça. Portinari, que tinha como arma um pincel, denunciaria as injustiças sociais e, como não era um pintor de uma tecla só, também fixaria os momentos de alegria do povo, tipos, usos, costumes. O homem de esquerda, na vida e na obra, também nasceu em Brodowski: Portinari integrou o Partido Comunista, candidatou-se a cargos políticos e conheceu o exílio, na terra de sua mulher, Maria – o Uruguai. Pagou um preço por ter escolhido o povo brasileiro. Um compromisso que surgiu em sua cidade, mas se revelou na Europa, em 1930. ‘Vou pintar o Palaninho (um tipo popular de Brodowski), vou pintar aquela gente com aquela roupa e com aquela cor.’

Portinari é uma prova de que a teoria das probabilidades não é infalível. Ele tinha tudo para dar errado, mas nenhum artista brasileiro conseguiu a projeção que ele alcançou. A discussão sobre se é ou não o maior artista brasileiro do século XX afigura-se estéril, que o metro da arte é subjetivo, mas poucos artistas trabalharam com seu afinco e sua técnica. Portinari, disse Mário de Andrade, ‘respirava, comia e dormia pintura’. Ninguém diria que o artista brasileiro mais famoso do século sairia de um meio distante e inculto. Pois saiu. Muito menos diriam que aquele homem pequeno, de 1,54 metro de altura, pudesse construir uma obra de gigante, pelas dimensões – e pela quantidade. Construiu. E ninguém diria que, filho de imigrantes, seria um dos intérpretes da alma brasileira e um dos inventores da imagem do Brasil. Pois foi. Modernista tardio, Portinari consolidou a renovação da arte brasileira e a tornou popular. ‘Ele conduziu o facho da renovação plástica depois de 30’, escreveu o modernista Oswald de Andrade.

Homem de formação precária, que só completou a 3ª série do ensino fundamental, Portinari teria o reconhecimento da inteligência de seu tempo. Carlos Drummond de Andrade descreveu o que ele significou: ‘Você é a alegria e a honra de nosso tempo e da nossa geração’. Homem de saúde frágil, com um defeito físico numa das pernas, a quem a morte – por intoxicação provocada pelas tintas que usava – levaria cedo, negou a própria finitude ao produzir tanto – quase 5 mil obras, o que, segundo seu filho, João Cândido Portinari, que criou e dirige o Projeto Portinari, dá uma média de um quadro a cada três dias. Houve quem dissesse que tinha ficado rico, ou getulista, ou aristocrático… Nada disso transpira da obra, e sim os exercícios de fé – ele que havia perdido a crença, mas concebeu um canteiro que forma a palavra Dio (Deus em italiano) na casa de Brodowski – e o compromisso com o povo. Um expressionista popular.

Há poucos contemporâneos do artista em sua cidade natal. Iracema Santos Novaes, de 77 anos, diz que Portinari, quando vinha a Brodowski passar alguns meses no fim de ano ficava dentro de casa e algumas pessoas o achavam orgulhoso. ‘Não era isso. É que ele ficava trabalhando. Era sério e ao mesmo tempo alegre. Na pracinha, pegava um graveto e rabiscava no chão.’ Arduíno Heitor Morando, de 66 anos, era amigo de infância de João Cândido e foi um dos modelos para a série Meninos de Brodowski, ponto alto do desenho no Brasil. ‘Ele era meio enérgico, sistemático. Gostava dos pobres e no fim de ano formava uma fila de crianças e pessoas humildes na frente de sua casa. Dava uma nota para cada uma.’ Mas Brodowski, em todos os lugares, do Museu Casa de Portinari aos baixos de um viaduto com um mural em sua homenagem, e futuramente no Memorial Portinari, raro projeto em cores de Oscar Niemeyer, homenagem ao amigo pintor, respira Portinari. ‘A casa de Portinari’, diz Angélica Fabbri, diretora do museu, ‘é um local de identidade para Brodowski.’

Fonte: brodowsky.blogspot

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