Estilhaços de Luz
27-dez-2012A mostra Vieira da Silva no Brasil exibe produção da artista portuguesa durante a sua permanência no Brasil, de 1940 a 1947
Em 2004, quando as obras de Vieira da Silva foram exibidas na exposição Cinco Pintores da Modernidade Portuguesa, o curador português Pedro Lapa procurou evidenciar a produção dos artistas que se mantiveram em relativo afastamento do contexto português nas épocas da ditadura salazarista e das guerras.
Cada um dos artistas representados na mostra, Almada Negreiros, Amadeo de Souza-Cardoso, Paula Rego, Joaquim Rodrigo, além de Maria Helena Vieira da Silva tiveram longos períodos de suas vidas afastados de Portugal, estabelecendo diálogos e vivências com outros centros artísticos da Europa e do mundo. No caso de Vieira da Silva essas vivências se deram na França ( a partir de 1920) e no Brasil (onde viveu de 1940 a 1947).
Na apresentação daquela mostra Pedro Lapa escreveu*: “A todos esses artistas é comum um trabalho de negociação na linha da fronteira, que os afasta de um contexto local para uma dimensão cosmopolita, como parte integrante da condição moderna que assumiram”. E por estarem ora em um lugar, ora em outro, ajustando e construindo suas próprias categorizações é que o curador português diria ainda que “Portugal e os seus artistas modernos nunca constituíram por isso uma identidade cultural positiva (…). Foram apenas ignorados pela sua posição intermédia, semiperiférica”.
Vieira da Silva no Brasil
Passados três anos, o Museu de Arte Moderna de São Paulo recebe novamente as obras de Vieira da Silva, desta vez em uma individual, oportunidade em que o público pode rever alguns de seus trabalhos – como Atelier, Lisboa – e desfrutar, com maior profundidade, a produção dessa artista luso-francesa. Antecipando as comemorações do centenário do nascimento da artista (1908-1992), a exposição Vieira da Silva no Brasil, exibe 116 trabalhos da artista portuguesa vindos de coleções particulares do Rio de Janeiro e Minas Gerais além de obras da Fundação Arpad Szenes e Maria Helena da Silva, e Fundação Calouste Gulbenkian, de Portugal, resultado dos sete anos em que a artista viveu no Brasil .
Nelson Aguilar, docente da Unicamp e um dos primeiros pesquisadores no Brasil da obra de Vieira da Silva, procura evidenciar com o seu projeto curatorial, uma diversidade de aspectos da produção da artista, e as relações dinâmicas criadas entre ela e o marido Arpad Szenes, também artista, com intelectuais do Rio de Janeiro, em cujo bairro de Santa Teresa o casal se estabeleceu.
O eixo central da exposição é composto pelas grandes telas da artista como Londres, de 1959, que valeu-lhe o Grande Prêmio da Bienal Internacional de São Paulo ( 1961) e demais trabalhos emblemáticos produzidos durante o período brasileiro. Estão também expostos em painéis notícias de jornais da época com críticas às suas exposições realizadas no Rio de Janeiro, fotos com os amigos intelectuais cariocas, poesias de Murilo Mendes dedicadas à ela, e livros com suas ilustrações. Ao lado das pinturas, há estudos e desenhos de Vieira da Silva para a produção de um extenso painel feito pela artista para a Universidade Federal Rural do Rio Janeiro, cujas peças, transferidas para a mostra em cartaz, estão sendo restauradas desde o início da exposição pelo especialista em azulejaria, Antônio Luis Sarasá.
É olhando para telas como O Jogo de Xadrez, de 1942, e Atelier, Lisboa, ambos da Fundação Arpad Szenes e Vieira da Silva; O Teatro, de 1953, pertencente ao acervo paulista do Palácio dos Bandeirantes, bem como para História trágico- marítima, de 1944, da Fundação Calouste Gulbenkian , que fica claro a diluição das linhas fronteiriças entre as soluções de práticas figurativistas e abstratas. É através dessas pinturas que Vieira da Silva mostra uma visão de movimento, repetição e tensão física em múltiplas perspectivas. Os títulos dos quadros são pistas que se perdem nos labirintos espaciais e nos “estilhaços de luz”, como denomina Aguilar, criados pela artista. E a perspectiva, recurso retomado da tradição renascentista e resignificado por Vieira da Silva, coloca-se como um elemento provocativo diante de uma malha de “figurações residuais”* e de um espaço que estabelece uma relação de intersubjetividade entre o que se vê e o que se sente.
A mostra fica em cartaz até 4 de junho no MAM de São Paulo, e para decepção dos cariocas, anfitriões históricos de Vieira da Silva por sete anos, não deverá ser exibida no Rio de Janeiro. Pertence à Universidade Federal Rural daquela cidade o painel pintado pela artista portuguesa, está sendo restaurado aqui em São Paulo. Simultaneamente à mostra, através dos trabalhos do ateliê de Antonio Luis Sarasá, restaurador especialista em azulejaria.