Consultoria dos Vitrais da Catedral de Brasília

22-out-2009

Autora dos vitrais da Catedral relembra desafio do desenho de 2,5 mil metros
A artista veio escolher os matizes das cores dos novos vidros, que serão fabricados na Alemanha

Não há saudade em Marianne Peretti, 82 anos, quando se lembra dos dias em que passou debruçada, sentada ou deitada sobre folhas imensas de papel vegetal para desenhar os vitrais da Catedral de Brasília. Há dor e um quase arrependimento, fosse ele possível. “Foi uma loucura, eu nunca deveria ter aceito aquilo. Eu dizia ao Oscar [Niemeyer]: ‘Por que não deixa só com os vidros? As nuvens são tão lindas, os céus de Brasília são particularmente bonitos, mudam constantemente, isso já é um vitral’”, ao que o arquiteto respondia que não existe catedral sem vitral. “Ele insistiu e a gente começou e, se começou, tinha de terminar”, diz ela, com um suave sorriso.

O quase arrependimento de Marianne não é de ordem artística ou estética. É de ordem física. Até hoje, ela guarda sequelas daqueles “terríveis dias” desenhando, no chão, em escala 1:1, ou seja, no tamanho real de cada um dos 16 gomos dos vitrais que separam a Catedral do céu para onde ela aponta. A coluna vertebral nunca mais foi a mesma. “Quer ver o que ficou?”, ela pergunta, levando uma das mãos às costas e tocando a marca do trauma que guarda no corpo desde que desenhou às pressas, na maioria do tempo no chão do Ginásio Nilson Nélson, uma a uma, as quase 5 mil peças dos 2,5 mil metros quadrados do vitral, um dos maiores de que se tem notícia no planeta, ela acredita.

“Foi um desafio, não sei como consegui. Eu ficava tão cansada que precisava ficar uma hora deitada para então conseguir almoçar. Eu ficava no limite do limite. Pela minha saúde, nunca deveria ter aceito fazer isso.” Fazia pouco tempo que a vitralista Marianne Peretti havia conhecido Niemeyer. Estava em Brasília para a inauguração do vitral do Panteão da Pátria, em 1987, quando o arquiteto lhe propôs, à queima-roupa: “Você quer fazer os vitrais da Catedral?”. A vitralista estava com 60 anos.

Novas peças
Marianne Peretti veio do Recife (PE), onde mora, para visitar as obras de restauração da Catedral. Foi bem mais que uma visita de reconhecimento. Ela escolheu, entre os diversos matizes de cada uma das cores das novas peças, os de sua preferência. Diferenças sutis de tonalidade, mas que são importantes para a obra e para a artista. Os responsáveis pelo restauro colocaram peças novas, de amostras, entremeadas com as originais, para que a artista pudesse conferir a qualidade dos vitrais feitos pela Alemberts, fabricante alemã de vidros para vitrais que existe desde o século 19. A encomenda vai custar cerca de 800 mil euros (aproximadamente R$ 1 milhão).

Estudos acerca dos impactos e tensões dos Vitrais

Estudos dos impactos e tensões dos Vitrais

As folhas de vidro colorido, fabricadas a partir das especificações técnicas definidas pelos restauradores, serão enviadas ao Brasil para serem recortadas no ateliê do vitralista Luidi Nunes, um dos mais respeitados do país, também responsável pela restauração dos vitrais do Tetro Municipal do Rio de Janeiro. Trinta e seis outros vitralistas vão cortar as 5 mil peças de acordo com o tamanho e a forma original de cada uma delas. “As peças velhas serão encaixotadas de modo especial e serão preservadas por razões acadêmicas”, informa Nunes.

Os quase cinco mil vidros coloridos que estão sendo retirados, um a um, têm história para contar e não apenas a aventura dolorosa de Marianne Peretti naqueles anos 1987/1988. A fabricação dos vitrais foi mais uma ousadia num país de nenhuma tradição em transformar vidros em arte que reflete a luz do Sol e convoca a fé cristã. Foi o italiano radicado no Brasil Emílio Zanon, morto no ano passado, quem fez os vitrais da Catedral. Um pioneiro da arte vitralista, como lembra Luidi Nunes. “Os vitrais originais foram fabricados experimentalmente”, conta.

Monitoramento das temperaturas das Estruturas e Vitrais

Monitoramento das temperaturas das Estruturas e Vitrais

Estragos
Além dessa experimentação, vários outros fatores provocaram a quebra espontânea dos vitrais de Marianne Peretti ao longo dos anos. A composição das peças era heterogênea, o chumbo usado na emenda de um e outro não foi o adequado e a inclinação dos vitrais também favoreceu as rachaduras — especialmente a extrema oscilação de temperatura de cada um deles. “Cada peça se comportava de maneira diferente, com uma variação entre elas de 18º a 69º graus num mesmo dia”, conta o conservador e restaurador Antonio Luis Ramos Sarasa Martin, consultor da restauração dos vitrais da Catedral. Era um briga de espicha-encolhe entre cinco mil pedaços de vidro.

A escolha da composição dos vidros dos novos vitrais levará em conta as singularidades da obra de Niemeyer e do clima da cidade. “Nosso desafio é combinar qualidade técnica com beleza estética”, diz Nunes. Martin acredita que os novos vitrais devem durar “algumas décadas, pelo menos.”

Para quem eventualmente imaginava uma Catedral sem vitrais, como era antes de 1987, o arquiteto Eduardo Rossetti, da Superintendência do Instituto Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Distrito Federal, esclarece: “Os vitrais de Marianne Peretti estão incorporados e consolidados na Catedral”. Ele lembra que uma obra como a Capela Sistina, no Vaticano, por exemplo, tem séculos de intervenção. “Uma obra moderna não tem a mesma temporalidade, mas guarda a maturidade que já incorpora uma intervenção de alta qualidade como os vitrais de Marianne”.

Contra o tempo
Os restauradores têm uma data marcada com tinta vermelha no calendário: 10 de abril de 2010, quando deveriam entregar à cidade os vitrais prontos para uma inauguração parcial da igreja restaurada. “Foi um processo muito demorado. Agora teremos de trabalhar muito”, prevê Luidi Nunes. Marianne Peretti não acredita que os vitrais estejam prontos em seis meses. “Vamos aguardar. Suponho que pelo menos oito vitrais [dos 16] serão refeitos até lá.”

Talvez a fé de monsenhor Marconi Ferreira, vigário-geral da Catedral, possa ajudar os restauradores no cumprimento de um prazo tão apertado. “É uma alegria ver o trabalho que está sendo feito com tanto carinho. É o melhor presente que Brasília poderia receber nos seus 50 anos. A Catedral não é apenas um cartão-postal, é o retrato de Brasília, é a igreja-mãe do Brasil.”

A cidade espera ansiosa: a paróquia já tem reservas de casamento para todo o ano de 2011. As reservas de 2010 vão depender de quando a restauração vai terminar.

Fonte: correiobraziliense.com.br

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