Área das antigas fábricas têxteis passa por pesquisa arqueológica

30-nov-2012

Estúdio Sarasá

Estúdio Sarasá

Duas pontas distantes da história sorocabana repousam no centro da cidade: o prédio da antiga Fábrica Nossa Senhora da Ponte, a primeira indústria têxtil construída na cidade, fato que vai completar 130 anos em dezembro, e a última indústria têxtil erguida pelo mesmo grupo, a antiga Fábrica Santo Antônio, como lembra Sônia Paes, chefe da divisão de Patrimônio Histórico de Sorocaba. As duas unidades do que um dia foram a Companhia Nacional de Estamparia (Cianê) guardam, em suas entranhas, como todo prédio antigo, vestígios de história e de um passado não tão distante e muitos detalhes que podem revelar curiosidades sobre o modo de vida passado. É isso que tenta desvendar a pesquisa histórica e arqueológica que vem sendo realizada ali.

Desativado há mais de 20 anos, esse complexo, instalado no coração da cidade, permaneceu por muito tempo abandonado. Em outubro do próximo ano, tudo indica, deve abrir suas portas como um dos grandes e atuais empreendimentos da cidade, o Pátio Cianê Shopping. Antes mesmo de começar as obras nas antigas fábricas, os empreendedores, com o suporte de empresas especializadas, deram início à pesquisa histórica e arqueológica, e estão seguindo à risca a Lei Federal 9605/98, que determina que qualquer obra nova deve ser antecipada por um levantamento arqueológico feito por empresas especializadas. É o que afirma Antônio Luís Sarasá, historiador e restaurador, responsável pelo Estúdio Sarasá, que promove pesquisas históricas e arqueológicas em todo o Brasil (eles foram responsáveis por obras de restauro no Teatro Municipal de São Paulo, no Solar da Marquesa de Santos, em São Paulo, no Museu Republicano, em Itu) e que foi contratado para dar o suporte às obras do shopping.

Sarasá esteve ontem em Sorocaba para ministrar uma palestra explicativa sobre o trabalho técnico realizado até agora e para complementar o treinamento ministrado aos profissionais que atuam diretamente nas obras, como os pedreiros. Na ocasião, comentou que artefatos e alguns elementos imateriais (como pichações) encontrados nos locais de pesquisa contam muito sobre a sociedade presente e sobre o tempo que se passou naquele local. “Louças, xícaras, colheres, até marcas na parede são informações”, ressalta. Para se ter uma ideia do quanto se pretende preservar desses sinais encontrados, os profissionais que atuam na obra são orientados a deixar aparentes determinadas trincas reveladores das passagem do tempo.

Revitalização de um ícone

Os artefatos encontrados no local onde estão as fábricas Nossa Senhora da Ponte e Santo Antônio, futuramente – depois de analisados e catalogados por institutos específicos que estudam patrimônios históricos – podem voltar a Sorocaba para serem expostos em museus. A proposta dos empreendedores do shopping, revela Sarasá, é, de alguma forma, devolver à população a história encontrada. “Esse retorno à sociedade faz com que haja a sensação de pertencimento da população por sua história, por seus prédio históricos. Isso tem um valor muito importante”, destacou o restaurador.

Sônia Paes, chefe da divisão de Patrimônio Histórico de Sorocaba, concorda com Sarasá no que diz respeito à importância das descobertas. “O que é considerado lixo do passado, vamos dizer assim, é muito rico.” Acompanhando desde os primeiros passos essa pesquisa realizada no solo onde ficam os prédios das antigas fábricas, Sônia afirma que esse é um trabalho praticamente inédito. “Um trabalho semelhante foi realizado quando na abertura da Rodovia Dr. Celso Charuri, pela concessionária (CCR Via Oeste). Mas esse é diferente por ser no centro da cidade, num local que estava abandonado, ocupado por usuários de droga e representando sérios problemas sociais, desvalorizando todo o entorno.”

Sônia ainda lembra que com essa pesquisa arqueológica e sua consequente revitalização da história, um novo olhar pode ser lançado para uma região que abriga, por exemplo, o Palacete Scarpa, construído, avisa Sônia, para ser o banco que administraria as fábricas de tecidos. “Nossa Senhora da Ponte foi construída pelo português Manoel José da Fonseca. Veja só, até a história da imigração portuguesa em Sorocaba acaba por ser lembrada”, pontua. “Vejo todo esse trabalho como um marco na história da cidade porque está revitalizando a região central e demais prédios tão importantes como esses das fábricas”, afirmou. “As sheds (termo inglês que significa alpendre e que no Brasil faz referência aos telhados em forma de serra, como os da Fábrica Nossa Senhora da Ponte) tão características desses prédios são o ícone da Manchester Paulista, como era chamada Sorocaba, e estão sendo recuperados.”

Vida no barro

A arqueóloga Patrícia Fischer, uma das contratadas para fazer o trabalho delicado e cuidadoso de escavação e acompanhamento das obras, destaca que a história ainda está sendo investigada. “Não há uma descoberta específica de grande importância. Os objetos dentro desse contexto são importantes.” Mostrando cacos de louças – xícaras e pratos com assinaturas que indicam sua origem inglesa – Patrícia diz que ainda é preciso saber, por exemplo, se aqueles resquícios pertenciam àquele local ou se foram parar ali porque estavam numa terra que foi retirada de um outro local na época da construção da fábrica.

Mas como arqueologia, história e restauração são ciências ligadas à paixão, a simples presença do que um dia foi vivo e deixou sua marca são suficientes para despertar o interesse e o encantamento dos profissionais envolvidos e de quem gosta e respeita sinais singelos. Tanto Sônia quanto Sarasá destacaram o encontro de tijolos com pegadas de animais e dedos humanos como certidões que atestam o lado humano presente nos objetos que resistiram ao tempo. Primeiro porque os tijolos utilizados nas fábricas eram confeccionados aqui em Sorocaba, por olarias artesanais, explicou Sônia. “Hoje em dia, um tijolo com a marca mão do homem que provavelmente o fez seria descartado. Antigamente, não. Tanto que o tijolo foi usado e hoje nos reforça a presença do homem nas construções históricas. Mostra que o barro tem vida, tem alma”,disse. É o sinal dos povos antigos na história. E é isso que a pesquisa arqueológica pretende descobrir.

Fonte: Jornal Cruzeiro do Sul

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